Quando o Plano Fura, Alguém Segura!

Pedro Dotado não era dotado de riquezas ou de títulos nobres. Sua dotação era outra: um talento inato para capturar a alma das coisas com nada mais que tintas e um pincel. Viveu toda a vida na pequena vila de Porto Amarelo, onde o mar beijava as rochas com fúria e ternura.
Foi numa dessas rochas que ele a viu pela primeira vez. Não era uma visão delicada. Ela estava enfaixando o braço de um pescador ferido, com uma expressão tão determinada que parecia esculpida em granito. Chamavam-na de Safado Picudo, um apelido herdado do avô, um homem tão teimoso e “safado” quanto o peixe que carrega esse nome. E ela tinha o mesmo espírito indomável.
Pedro, um homem de silêncios e observação, ficou hipnotizado. A força dela não era áspera; era como a raiz de uma árvore, firme e necessária. Ele a desenhava em segredo, nos cantos de seus cadernos de esboços: a curva de seu pescoço quando ria, a maneira como ela arregaçava as mangas para consertar uma rede, o brilho desafiador em seus olhos verdes.
Um dia, Safado viu um dos esboços caído no cais. Pegou-o e encarou Pedro, que corou como um adolescente.
“Por que me desenhas?”, perguntou ela, sua voz um sopro rouco salgado pelo mar.
“Porque não consigo capturar a luz do farol sem que ela se pareça com o reflexo no seu cabelo”, ele respondeu, simples e verdadeiro.
Foi o início. Safado, acostumada a lidar com a dureza da vida, não sabia o que fazer com a suavidade de Pedro. Ele não tentou domá-la; ele a celebrou. Pintou-a não como uma dama, mas como a força da natureza que ela era: com os pés descalços na areia, o vento bagunçando seus cabelos, segurando um remo como se fosse um cetro.